segunda-feira, março 31, 2008

Tekoha, lugar de origem . Assim diria um Guarani

Fernando Schweitzer de Oliveira , Florianópolis-SC - Ator Não-Global, Diretor Teatral, Cantor, Escritor e Jornalista

Apesar de ser a maior população de um povo indígena no Brasil, esta é também uma das que tem seus direitos menos reconhecidos pelo Estado, principalmente o direito à terra, tendo uma média de menos de meio hectare por Guarani. Em todo o Brasil, ainda faltam ser reconhecidas 95% das terras tradicionais guarani.

Sem terras para cultivar e ter de onde tirar seus alimentos, somente nos anos de 2003 a 2005, o povo Guarani viu 183 de suas crianças com menos de cinco anos morrerem por desnutrição, o maior índice entre os povos indígenas no Brasil.
O ápice da tentativa de re-articulação desse povo, que teve início em fevereiro de 2006, com a realização do “Primeiro Encontro Continental Guarani”, em São Gabriel (RS)। Seguido em abril do mesmo ano por um “Segundo Encontro”, em Porto Alegre.

E está previsto para este ano um novo encontro, e ressaltando que sempre orado em guarani.
“É preciso mostrar que existimos como um grande povo. Temos o mesmo sangue, somos parentes que passamos pelo mesmo sofrimento. Não existe absurdo maior do que dizer ‘índio argentino’, ‘índio paraguaio’, ainda mais ‘índio brasileiro’. Para nós, as fronteiras não existem”, esclarece o cacique da aldeia Tey Kue, Zenildo.

Pajé versus Sua Santidade

“Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, (e) não temos mais condições de sobrevivência. Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão, aquilo que para nós representa a própria vida e nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão.
Santo Padre, nós depositamos uma grande esperança na sua visita ao nosso país. Leve o nosso clamor, a nossa voz para outros territórios que não são nossos, mas que o povo nos escute, uma população mais humana lute por nós, porque o nosso povo, nossa nação indígena está desaparecendo do Brasil”

Discurso feito por Marçal Tupã-i ao Papa João Paulo II, no ano de 1980, em Manaus. Principal líder Guarani na luta pela terra, Marçal foi assassinado três anos depois na terra Marangatu, no Mato Grosso do Sul, por pistoleiros de uma fazenda. Ainda hoje ninguém foi punido pelo crime, nem a terra Marangatu pelo qual lutava foi definitivamente reconhecida pelo Estado brasileiro.

República Comunista Cristã Guarani

Em todos os 500 anos de resistência à colonização, a experiência de resistência mais marcante na história Guarani foi sem dúvida a realizada dentro das Missões Jesuítas. Chamado por alguns historiadores de República Comunista Cristã Guarani, as missões foram definidas pelo filósofo francês Voltaire como “um verdadeiro triunfo da Humanidade”.
Foi no início do século XVII que os Guarani deixaram de enfrentar isoladamente as expedições chamadas de bandeiras que destruíam suas aldeias, os matavam aos milhares e os escravizavam, e passaram a se agrupar nas missões criando mais força e organização no enfrentamento.
As missões jesuítas onde viviam os Guarani se estendiam pelo Sul do Brasil, Uruguai, Norte da Argentina, todo o Paraguai e Sudeste da Bolívia. Apesar de algumas imposições religiosas, nas missões, onde a população ultrapassava as 25 mil pessoas (população maior do que a que habitava a cidade de Bueno Aires e São Paulo), os Guarani puderam exercer seus costumes e sua economia de reciprocidade.

Economia da Reciprocidade
http://www.campanhaguarani.org.br/economia.htm
O conceito de propriedade para os Guarani é muito diferente do que se entende na sociedade envolvente. O povo Guarani não se considera dono da terra, nem daquilo que vive nela. O que entende é que receberam de Deus o direito ao usufruto da terra, que deve ser feito de forma respeitosa, equilibrada e limitada, vigiado pelos deuses e os outros Guarani.
Sem se considerar donos das terras, os Guarani respeitam entre si o domínio territorial familiar em cada tekoha, por isso não invadem ou aproveitam de seus recursos sem a devida permissão.
Na economia Guarani, o princípio da solidariedade com o próximo não se manifesta de forma coletiva, em que todos trabalham juntos e todos são donos de tudo. O que existe é uma obrigação moral de ajudar sempre que o outro necessitar, de receber ajuda quando precisar e participar com alegria do trabalho do outro Guarani sempre que o outro necessite. Esta ajuda recíproca é chamada de Jopói.
A generosidade é uma das virtudes mais importantes na sociedade Guarani e uma pessoa egoísta, que acumule bens, por exemplo não compartindo aquilo que produz com as demais, é criticada e marginalizada.

Hoje não são espelhos

Devemos nos perguntar na atualidade coisas simples, mas com sinceridade.
Porque a recente Declaração Sobre Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 13 de setembro, não fora traduzida para a língua Guarani? Será que continuamos a enganar hoje não com espelhos, mas com uma retórica semelhante a da Metrópole do passado?

Argentina – População: 42.000
Grupos: Mbya e Ava Guarani
Fonte: Endepa – Equipe de Pastoral Aborígine Argentina

Bolívia – População: 150.000
Grupo: Chiriguano
Fonte: Estimativa feita pela Assemblea del Pueblo Guarani (APG), entidade que representa diretamente as mais de 300 comunidades Guarani na Bolívia

Brasil – População: 50.000
Grupos: Kaiowá (Pãi-Tavyterã); Mbya; Nhandéva ou Chiripá
Fonte: Estimativa feita pelo Conselho Indigenista Missionário a partir de dados apresentados pela Fundação Nacional de Saúde

Paraguai – População: 53.500
Grupos: Kaiowá (Pãi-Tavyterã); Avá Katú; Mbya; Aché; Guarani Ocidentais, Nhandéva
Fonte: Censo Nacional Población y Vivienda del Paraguay dados coletados no ano de 2002

Uruguai – Os Guarani frequentam seu tekoha, mesmo sem o reconhecimento do Estado.

Os esforços de integração com o feito Mercosul, pensa apenas na visão branca da América Latina. Será que este povo que não compreende essas fronteiras que hoje tentam se mesclar pelo Mercosul, pois para eles tais divisões nunca existiram, não serão ouvidos nunca para que suas necessidades étnicas-sócio-culturais sejam restabelecidas?
Será que se os Guarani como povo nativo declarassem sua independência este ano como o Kosovo fez dia 17 de Fevereiro, seria reconhecida pelo Mercosul, como o Kosovo será pela União Européia?
No momento da história onde se debatem sem terras e latifundiários. Onde magnatas da Agroindústria se escalpelam desesperados em ações milionárias e conseguem na “justiça” reintegração de posse. Os Guaranis poderiam pedir também reintegração de posse de suas terras. Só por questão de justiça.

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