terça-feira, abril 19, 2011

1964 graus de febre


Fernando Schweitzer, Buenos Aires/Arg - Ator Não-Global, Diretor Teatral, Cantor, Escritor e Jornalista



Enquanto na Argentina um General do tempo da ditadura é condenado a prisão perpetua por crimes contra humanidade, no Uruguay os juízos com referencia ao seu período ditatorial se fazem  desde o ano 2000, no Brasil tentam censurar uma novela que aborda este tema...

Eu tinha prometido a mim mesmo nunca mais escrever nada para, nem sobre o Brasil. Motivos de um fundo tal, semelhante aos que por indignação me fazem voltar a escrever. É de esmeril tristeza e angustia, repulsa e asco, que imbuí-se o profundo âmago de meu amargo ser. A bestialidade do ser humano é surpreendente, mais sempre pode revalidar-se e superar-se em sua insanidade decrépita.

A Abmigaer (Associação Beneficente dos Militares Inativos e Graduados da Aeronáutica) evocou a Lei da Anistia, através de pedido formal, afirmando que não instituiu qualquer tipo de cerceamento a informações sobre o período. Esse e outros "causos" sobre o tema se difundem pela internet. Corre por meios vários no país a nota de que a associação de militares reformados lançou abaixo-assinado na internet pedindo a censura à novela do SBT "Amor e Revolução", que retrata a repressão a militantes de esquerda durante a ditadura (1964-1985).

Os setores reacionário do país hora e meia vêm de encontro com a lógica democrática o continente, buscando regressar ao seu posto de os únicos capazes de gerenciar um estado contra o dito mal comunista, que os mesmos nunca compreenderam. Mesmos capangas que tiraram do ensino fundamental matérias como filosofia e sociologia, queimaram livros porque tinham capa vermelha... 

Nosso povo ainda parece não estar a par de todas as atrocidades de nossa era escura recente. Hoje é possível até que qualquer pessoa consulte os arquivos do Dops, e não se paga nada, a não ser que se requisite serviços como o de copiar documentos. Muita gente consulta para entrar com pedido de reparação por perseguições, prisões, tortura e morte de parentes durante a ditadura. Os prontuários existentes no Dops, xerocados e assinados pelo diretor, passam a ter valor jurídico para pessoas que queiram entrar com processos contra o Estado ou, por exemplo, pedir indenização por perseguições. Mais de 4 mil pessoas já fizeram pedidos deste tipo desde 1994, e atualmente há em média 30 a 40 pedidos por mês. Mas há também muitos pesquisadores que estudam toda essa documentação.

Em bem da verdade, há louco para tudo, já diria o velho deitado. Desde os que fingem, ou fingiram que, a ditadura não existiu. Loucuras de gente enferma, como dizer: "É óbvio que o governo federal, através da Comissão da Verdade, recém-criada, está participando do acordo em exibir a novela", jamais pensei serem repetidas hoje, e fazem parte do tal manifesto. O abaixo-assinado tinha a poucos dias atrás já 535 assinaturas. O autor da novela, Tiago Santiago, disse que a tentativa de censura é inconstitucional e interessa apenas a "torturadores e assassinos" do regime. A assessoria do SBT afirma que não vai comentar o assunto.

A novela "Amor e Revolução" vem rendendo na internet, apesar de a audiência baixa, está agitando as lombrigas do clamor repressivo brazuca. Um portal militar resolveu fazer um abaixo-assinado contra a novela de Tiago Santiago, que aborda o período da ditadura militar no Brasil e os donos do site querem que a trama seja proibida de ir ao ar no SBT.

No texto, os autores do tal manifesto dizem que "é óbvio que o governo federal através da comissão da verdade, recém criada, está participando do acordo em exibir a novela Amor e Revolução no SBT. Parece-nos que se trata de um acordo firmado com o empresário Silvio Santos, visando o saneamento do Banco Panamericano do próprio empresário. As forças armadas não devem permitir, dentro da legalidade, que tal novela seja exibida, pelos motivos óbvios abaixo declarados. Convém salientar que as forças armadas já se manifestaram negativamente a respeito da novela Amor e Revolução".

Procurado pelo portal NaTelinha, o novelista Tiago Santiago falou sobre o protesto: "Achei despropositado, porque a novela é respeitosa com as Forças Armadas, mostrando herói militar e oficiais democratas, a favor da legalidade. Em diversos trechos da novela, há menções favoráveis a militares, evidenciando que nem todos participaram do golpe e da violenta repressão à oposição".

A sordidez desse pedido reacionário destas viuvas da ditadura é além de agressivo, nocivo a liberdade constitucional de nosso povo e de lesa humanidade. Outro trecho muito importante e que se deveria investigar quais são os fundamentos teóricos-técnicos destas mentes tão torpes, que permitem-se dizer ainda na atualidade tais atrocidades a sociedade livre, como: "sendo assim, o efetivo da forças armadas, tanto da ativa como inativos e pensionistas, vêm respeitosamente através desse abaixo assinado, como um instrumento democrático, solicitar do digno Ministério Público Federal, representado acima, providências em defesa da normalidade constitucional, vista o cumprimento da lei de anistia existente, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal. Nestes termos pede deferimento em caráter urgentíssimo".

Voltei, contra minha vontade e contra o desejo de muitos. Esperei duas semanas o desenrolar dessa lenda burlesca e absurda... E? Nada... Me restou dar meu pitaco. Como sempre digo esperança sem motivos é loucura, e louco é quem espera que o Brasil mude sem mudar sua sócio cultura retrograda, conservacionista e falso-moralista, sócio-normativa. Como a febre amarela, só que muito mais intensa, a ditadura e seus fiéis mais fanáticos que evangélicos radicais querem fazer voltar a arder sua "chama salvadora" da "moral e dos bons costumes"... Qual seria meus caros a medicina ideal para esses 1964 graus de febre?



Fernando Schweitzer, Buenos Aires/Arg - Ator Não-Global, Diretor Teatral, Cantor, Escritor e Jornalista