O objetivo aqui é mostrar, de forma clara, o papel do Banco Central (BC) na manutenção do capitalismo brasileiro — um capitalismo dependente, submisso ao capital internacional — e por que ele é alvo constante de disputas políticas e econômicas.
1. Antes de falar do BC: o que é o Estado burguês?
No capitalismo, o Estado não é neutro. Ele existe para garantir que o sistema continue funcionando a favor da classe dominante. Como Engels escreveu no Anti-Dühring:
“O Estado moderno é, portanto, uma máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, é o capitalista global ideal” (ENGELS, 2015, p. 314).
Na Europa, antes das Revoluções Burguesas, a burguesia queria limitar o poder dos reis absolutistas para evitar qualquer interferência nas relações de propriedade e no “livre mercado”.
Depois que tomou o poder, essa mesma burguesia passou a defender:
-
Restrição política (voto censitário, excluindo trabalhadores);
-
Mínima regulação econômica — só garantindo propriedade privada e competitividade.
Mas “Estado mínimo” nunca existiu de verdade. Enquanto se recusavam a criar leis trabalhistas, os governos burgueses usavam o Estado para fazer guerras, conquistar colônias e proteger interesses capitalistas.
2. O século XIX muda o jogo
Com o crescimento dos partidos, sindicatos e greves, a classe trabalhadora conquistou direitos: voto, redução de jornada, proibição do trabalho infantil, educação pública etc.
Isso obrigou o Estado burguês a ampliar sua atuação para mediar conflitos e evitar que o movimento operário radicalizasse.
Um exemplo histórico: depois da Comuna de Paris (1871), governos como o da Alemanha e Áustria-Hungria aprovaram leis de descanso semanal, indenização por acidentes, fiscalização de fábricas, seguros e habitação popular (GONZÁLEZ GARCÍA apud COSTA, 2011, p. 56).
Isso não foi “bondade”: foi estratégia para controlar o movimento operário.
3. Capitalismo monopolista e mais intervenção estatal
No fim do século XIX, o capitalismo entrou na fase dos monopólios (imperialismo).
Segundo Mandel (1969), isso trouxe:
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preços mais altos nos setores monopolizados,
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maiores taxas de lucro,
-
concentração de investimentos,
-
mais uso de tecnologia para reduzir trabalho humano,
-
e custos crescentes de distribuição.
O Estado passou a intervir ainda mais, equilibrando demandas da classe trabalhadora com as necessidades de lucro da burguesia.
Rosa Luxemburgo resumiu bem:
“O próprio desenvolvimento capitalista [...] torna cada vez mais necessária a sua intervenção e seu controle” (LUXEMBURGO, 2015, p. 54).
4. O discurso da austeridade
Hoje, no Brasil, o mantra central da classe dominante é: “o Estado é como uma família, não pode gastar mais do que arrecada”.
Essa ideia é sustentada por três pilares:
-
Orçamento estatal = orçamento doméstico (falso);
-
Mais gasto público = mais inflação e juros altos;
-
A dívida pública tem um limite “natural”.
Na prática, o BC cria dinheiro sem precisar “guardar antes” — como explica o Bank of England:
“Os bancos comerciais criam dinheiro [...] quando fazem novos empréstimos [...] é criado com o traço das canetas dos banqueiros” (Bank of England, p. 16).
E o Estado faz o mesmo ao gastar, emitindo moeda estatal (reservas bancárias). Isso não tem limite técnico, só político.
5. Como o BC mantém a roda girando para o rentismo
O BC controla a Selic — taxa básica de juros — para regular o mercado interbancário.
Se os bancos precisam de reservas, o BC empresta à Selic.
Se há excesso de reservas, o BC “enxuga” esse dinheiro tomando-o emprestado, também à Selic.
Ou seja:
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Sempre há liquidez para os bancos.
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Sempre há remuneração para o capital aplicado em títulos públicos.
E aqui está o truque: aumentar a Selic aumenta o gasto do Estado com juros da dívida. Cada 1% a mais significa +R$ 72 bilhões de gasto financeiro.
Isso aumenta o déficit nominal e serve de justificativa para cortar gasto social (gasto primário), não o gasto com juros (gasto financeiro).
6. O ciclo viciado
O Boletim Focus (criado no governo FHC) coleta expectativas de bancos e fundos e influencia a decisão sobre a Selic.
O capital pressiona por juros altos, alegando risco fiscal.
Juros altos aumentam o gasto com dívida → aumentam o déficit → justificam mais juros altos.
É uma profecia auto-realizável.
Enquanto isso, qualquer inflação é explicada pelos liberais como “excesso de demanda”, mesmo quando vem de choques de oferta (secas, câmbio, guerras).
Resultado: juros altos para “controlar” preços, mesmo que o problema não seja demanda.
7. O papel político do BC
O Banco Central é mantido como guarda-costas do rentismo:
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Selic alta = lucro certo para quem vive de juros;
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Gasto social limitado;
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Gasto financeiro livre;
-
Intervenção no câmbio criminalizada.
Tudo isso embalado no discurso de que o BC é “técnico” e “neutro”.
8. Conclusão prática
Mudar essa lógica não é só questão de “teoria macroeconômica correta”. É questão de poder político.
Derrubar essa estrutura significa enfrentar a burguesia que vive do rentismo.
Como o texto original lembra, a luta não é para “ter um BC da classe trabalhadora” no capitalismo, mas para saber o que fazer com o BC quando o poder político estiver nas mãos do povo.
REVISÃO EM TÓPICOS
1. O que é o Estado burguês
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Não é neutro: garante que o capitalismo funcione a favor da classe dominante.
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Engels:
“O Estado moderno [...] é o capitalista global ideal” (2015, p. 314).
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Estado mínimo é mito: mesmo no liberalismo, o Estado sempre agiu para proteger interesses capitalistas (guerras, colônias, obras).
2. Mudança no século XIX
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Greves, sindicatos e partidos operários conquistaram direitos: voto, jornada menor, fim do trabalho infantil, educação pública.
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Ex.: após a Comuna de Paris (1871), Alemanha e Áustria aprovaram leis de descanso, indenização, habitação popular (GONZÁLEZ GARCÍA apud COSTA, 2011).
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Isso foi controle político, não “bondade”.
3. Capitalismo monopolista
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Fase dos monopólios (fim do séc. XIX) → Estado intervém mais para:
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Garantir lucros altos nos setores monopolizados.
-
Regular a economia a favor do grande capital.
-
-
Rosa Luxemburgo:
“O desenvolvimento capitalista [...] torna cada vez mais necessária a sua intervenção” (2015, p. 54).
4. Ideologia da austeridade
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Narrativa central: Estado = família, não pode gastar mais do que arrecada.
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Falso: Estado emite moeda; limite é político, não técnico.
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Bank of England: bancos criam dinheiro quando emprestam, não precisam “guardar antes” (p. 16).
5. Como o BC atua
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Controla a Selic (taxa básica de juros) para regular liquidez no sistema bancário.
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Se falta dinheiro → BC empresta à Selic.
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Se sobra dinheiro → BC toma “emprestado” à Selic.
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Resultado: bancos sempre lucram e têm liquidez garantida.
6. O ciclo viciado
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+1% na Selic = +R$ 72 bi em gasto com juros.
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Gasto financeiro cresce → déficit aumenta → justificam cortes no gasto social.
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Boletim Focus (desde 1999) coloca expectativas de bancos como base para decisões.
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É uma profecia auto-realizável:
gasto → juros altos → mais gasto com juros → mais corte social.
7. Inflação e manipulação do discurso
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Liberais: toda inflação = excesso de demanda → receita: cortar gasto e subir juros.
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Ignoram causas de oferta (secas, câmbio, crises).
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Isso mantém juros altos mesmo sem necessidade real.
8. O papel político do BC
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Mantém juros altos = lucros garantidos para rentistas.
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Limita gasto social, libera gasto com juros.
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Intervenção no câmbio é criminalizada (defendem “câmbio flutuante” como natural).
9. Conclusão
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Mudar essa lógica é questão de poder político, não só de “economia correta”.
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A luta é para saber o que fazer com o BC quando o povo tiver o poder.
💡 Resumo da síntese:
O BC é peça-chave para manter a economia brasileira funcionando a favor do capital financeiro.
Ele garante lucros aos rentistas, limita políticas sociais e usa discursos “técnicos” para blindar interesses de classe.
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