terça-feira, novembro 02, 2010

Clandestinos e Marginais!

Fernando Schweitzer, Florianópolis/SC - Ator Não-Global, Diretor Teatral, Cantor, Escritor e Jornalista

Um reality show? Ficção que virou realidade? Em 1 mês foram mais de 3000 candidatos. Jovens de diversos lugares do Brasil se inscreveram. Todos nasceram nos anos 80 e hoje têm entre 18 e 28 anos, acreditam no seu talento e alimentam o mesmo sonho de viver da sua arte. Destes foram escolhidos 400 candidatos para audições individuais com João Falcão, diretor do projeto "Clandestinos".

A dramaturgia homônima a do cineasta Antonio Hens, fala de outros clandestinos, dos menores imigrantes ilegais na Espanha e de integrantes do ETA que tem além da luta outro sentimento em comum. A película toca na ferida da homossexualidade, mesmo tendo o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo em 2005, esse é um tema tabu no país. Tal qual é tabu no Brasil chamar algum ator de teatro, de ator. Neste mar de exclusão dos menos favorecidos e referenciados pela sociedade todos esses clandestinos sofrem martírios a cada respiração.

No dia 26 de maio deste ano, por meio de seu site convocou jovens artistas a participar das oficinas gratuitas de dramaturgia, criação de personagens e interpretação ministradas por João Falcão e colaboradores, cujo foco principal era escalar e preparar o elenco da peça "Clandestinos", primeira montagem da companhia. Desde que estreou, “Clandestinos” vem recebendo críticas entusiasmadas da imprensa e do público que está enchendo o Teatro Glória, no Rio de Janeiro. Além de estar em cartaz de quinta a domingo, algo incomum hoje em dia a não ser quando se possui um elenco de estrelas globais e muito patrocínio.

Com um nome que reflete a realidade dos atores não televisivos e marginalizados do país, a Cia. Instável de Teatro, trás uma boa novidade ao mundo do entretenimento barato da TV. No argumento a produção tem como objetivo tentar refletir sobre “esses moços e moças que sonham nessa cidade, o sonho de ser artista”- afirma o idealizador do espetáculo.

Do tablado para as telas

Certa vez escutei uma "atriz", provavelmente de teste do sofá, proferir em entrevista ao Programa do Jô, uma blasfêmia hoje cada vez mais comum, após sua primeira novela. Perguntado pelo ex-humorista, hoje cover do David Letterman, o que iria fazer depois do fim da novela, lançou a pérola: "Eu vou produzir uma peça de teatro". Jô retruca: "Quantos espetáculos você já fez?". Resposta? - "Não, nunca fiz teatro... Mas eu acho legal e quero começar a fazer agora...".

Mudando o ponto de visão em 180º, tivemos neste dia 4 de Novembro a vingança daqueles que no crediário ao dizerem que são atores ouvem a pergunta clássica: "Que novela você fez?", obviamente em tom de ironia. Ou ainda: "Não, perguntei sua profissão...". Agora os anônimos terão na estreia do seriado Clandestinos - O sonho começou a expectativa, sua primeira oportunidade de brilhar na TV. Ficção misturada à realidade, onde cada um começará a tentar desenhar o seu destino em um âmbito de massa.

A falta de criatividade nas atuais produções televisivas e as baixas audiências na atualidade são os prováveis motivos desta tentativa arriscada da emissora dos Marinho de colocarem em sua grade o teatro na TV. Parece mesmo que o velho guerreiro mais uma vez tinha razão. Como nos primórdios da televisão com os Tele-Teatros da TV-Tupi, as forças da arte do Deus Dionísio irão alimentar o cubo infecto de elétrons, como diz o senhor Marcelo Taz do CQC.

Clandestinos e Marginais

Espero que o público compreenda e compre essa idéia, uma das poucas boas apostas da emissora carioca na década. Queiramos ou não a TV vive de seus anunciantes e sem audiência o projeto pode ser retirado do ar em menos episódios que o previsto, ou ainda pior, desestimular novos projetos de mesmo perfil.

O ponto mais saudável desta iniciativa chegar a televisão é o de talvez desmarginalizar a profissão de ator. Melhor dizendo, fazer com que atores de verdade sejam chamados assim, também que não precisem mais ter vergonha de dizerem que são atores. Quiçá trazer ao senso comum, ou a um número maior de pessoas a idéia de que uma coisa é uma estrela de plástico construída pela TV após deitar-se com alguém influente e outra coisa é um ator. Este último, que é como qualquer outro profissional de outra área, alguém preparado para a função e que estudou muito para aprimorar-se como tal.

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