sexta-feira, agosto 15, 2025

Como funciona o Banco Central — Versão Descomplicada

O objetivo aqui é mostrar, de forma clara, o papel do Banco Central (BC) na manutenção do capitalismo brasileiro — um capitalismo dependente, submisso ao capital internacional — e por que ele é alvo constante de disputas políticas e econômicas.




1. Antes de falar do BC: o que é o Estado burguês?

No capitalismo, o Estado não é neutro. Ele existe para garantir que o sistema continue funcionando a favor da classe dominante. Como Engels escreveu no Anti-Dühring:

“O Estado moderno é, portanto, uma máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, é o capitalista global ideal” (ENGELS, 2015, p. 314).

Na Europa, antes das Revoluções Burguesas, a burguesia queria limitar o poder dos reis absolutistas para evitar qualquer interferência nas relações de propriedade e no “livre mercado”.
Depois que tomou o poder, essa mesma burguesia passou a defender:

  • Restrição política (voto censitário, excluindo trabalhadores);

  • Mínima regulação econômica — só garantindo propriedade privada e competitividade.

Mas “Estado mínimo” nunca existiu de verdade. Enquanto se recusavam a criar leis trabalhistas, os governos burgueses usavam o Estado para fazer guerras, conquistar colônias e proteger interesses capitalistas.


2. O século XIX muda o jogo

Com o crescimento dos partidos, sindicatos e greves, a classe trabalhadora conquistou direitos: voto, redução de jornada, proibição do trabalho infantil, educação pública etc.
Isso obrigou o Estado burguês a ampliar sua atuação para mediar conflitos e evitar que o movimento operário radicalizasse.

Um exemplo histórico: depois da Comuna de Paris (1871), governos como o da Alemanha e Áustria-Hungria aprovaram leis de descanso semanal, indenização por acidentes, fiscalização de fábricas, seguros e habitação popular (GONZÁLEZ GARCÍA apud COSTA, 2011, p. 56).
Isso não foi “bondade”: foi estratégia para controlar o movimento operário.


3. Capitalismo monopolista e mais intervenção estatal

No fim do século XIX, o capitalismo entrou na fase dos monopólios (imperialismo).
Segundo Mandel (1969), isso trouxe:

  • preços mais altos nos setores monopolizados,

  • maiores taxas de lucro,

  • concentração de investimentos,

  • mais uso de tecnologia para reduzir trabalho humano,

  • e custos crescentes de distribuição.

O Estado passou a intervir ainda mais, equilibrando demandas da classe trabalhadora com as necessidades de lucro da burguesia.
Rosa Luxemburgo resumiu bem:

“O próprio desenvolvimento capitalista [...] torna cada vez mais necessária a sua intervenção e seu controle” (LUXEMBURGO, 2015, p. 54).


4. O discurso da austeridade

Hoje, no Brasil, o mantra central da classe dominante é: “o Estado é como uma família, não pode gastar mais do que arrecada”.
Essa ideia é sustentada por três pilares:

  1. Orçamento estatal = orçamento doméstico (falso);

  2. Mais gasto público = mais inflação e juros altos;

  3. A dívida pública tem um limite “natural”.

Na prática, o BC cria dinheiro sem precisar “guardar antes” — como explica o Bank of England:

“Os bancos comerciais criam dinheiro [...] quando fazem novos empréstimos [...] é criado com o traço das canetas dos banqueiros” (Bank of England, p. 16).

E o Estado faz o mesmo ao gastar, emitindo moeda estatal (reservas bancárias). Isso não tem limite técnico, só político.


5. Como o BC mantém a roda girando para o rentismo

O BC controla a Selic — taxa básica de juros — para regular o mercado interbancário.
Se os bancos precisam de reservas, o BC empresta à Selic.
Se há excesso de reservas, o BC “enxuga” esse dinheiro tomando-o emprestado, também à Selic.

Ou seja:

  • Sempre há liquidez para os bancos.

  • Sempre há remuneração para o capital aplicado em títulos públicos.

E aqui está o truque: aumentar a Selic aumenta o gasto do Estado com juros da dívida. Cada 1% a mais significa +R$ 72 bilhões de gasto financeiro.
Isso aumenta o déficit nominal e serve de justificativa para cortar gasto social (gasto primário), não o gasto com juros (gasto financeiro).


6. O ciclo viciado

O Boletim Focus (criado no governo FHC) coleta expectativas de bancos e fundos e influencia a decisão sobre a Selic.
O capital pressiona por juros altos, alegando risco fiscal.
Juros altos aumentam o gasto com dívida → aumentam o déficit → justificam mais juros altos.
É uma profecia auto-realizável.

Enquanto isso, qualquer inflação é explicada pelos liberais como “excesso de demanda”, mesmo quando vem de choques de oferta (secas, câmbio, guerras).
Resultado: juros altos para “controlar” preços, mesmo que o problema não seja demanda.


7. O papel político do BC

O Banco Central é mantido como guarda-costas do rentismo:

  • Selic alta = lucro certo para quem vive de juros;

  • Gasto social limitado;

  • Gasto financeiro livre;

  • Intervenção no câmbio criminalizada.

Tudo isso embalado no discurso de que o BC é “técnico” e “neutro”.


8. Conclusão prática

Mudar essa lógica não é só questão de “teoria macroeconômica correta”. É questão de poder político.
Derrubar essa estrutura significa enfrentar a burguesia que vive do rentismo.

Como o texto original lembra, a luta não é para “ter um BC da classe trabalhadora” no capitalismo, mas para saber o que fazer com o BC quando o poder político estiver nas mãos do povo.


REVISÃO EM TÓPICOS

1. O que é o Estado burguês

  • Não é neutro: garante que o capitalismo funcione a favor da classe dominante.

  • Engels:

    “O Estado moderno [...] é o capitalista global ideal” (2015, p. 314).

  • Estado mínimo é mito: mesmo no liberalismo, o Estado sempre agiu para proteger interesses capitalistas (guerras, colônias, obras).


2. Mudança no século XIX

  • Greves, sindicatos e partidos operários conquistaram direitos: voto, jornada menor, fim do trabalho infantil, educação pública.

  • Ex.: após a Comuna de Paris (1871), Alemanha e Áustria aprovaram leis de descanso, indenização, habitação popular (GONZÁLEZ GARCÍA apud COSTA, 2011).

  • Isso foi controle político, não “bondade”.


3. Capitalismo monopolista

  • Fase dos monopólios (fim do séc. XIX) → Estado intervém mais para:

    • Garantir lucros altos nos setores monopolizados.

    • Regular a economia a favor do grande capital.

  • Rosa Luxemburgo:

    “O desenvolvimento capitalista [...] torna cada vez mais necessária a sua intervenção” (2015, p. 54).


4. Ideologia da austeridade

  • Narrativa central: Estado = família, não pode gastar mais do que arrecada.

  • Falso: Estado emite moeda; limite é político, não técnico.

  • Bank of England: bancos criam dinheiro quando emprestam, não precisam “guardar antes” (p. 16).


5. Como o BC atua

  • Controla a Selic (taxa básica de juros) para regular liquidez no sistema bancário.

  • Se falta dinheiro → BC empresta à Selic.

  • Se sobra dinheiro → BC toma “emprestado” à Selic.

  • Resultado: bancos sempre lucram e têm liquidez garantida.


6. O ciclo viciado

  • +1% na Selic = +R$ 72 bi em gasto com juros.

  • Gasto financeiro cresce → déficit aumenta → justificam cortes no gasto social.

  • Boletim Focus (desde 1999) coloca expectativas de bancos como base para decisões.

  • É uma profecia auto-realizável:
    gasto → juros altos → mais gasto com juros → mais corte social.


7. Inflação e manipulação do discurso

  • Liberais: toda inflação = excesso de demanda → receita: cortar gasto e subir juros.

  • Ignoram causas de oferta (secas, câmbio, crises).

  • Isso mantém juros altos mesmo sem necessidade real.


8. O papel político do BC

  • Mantém juros altos = lucros garantidos para rentistas.

  • Limita gasto social, libera gasto com juros.

  • Intervenção no câmbio é criminalizada (defendem “câmbio flutuante” como natural).


9. Conclusão

  • Mudar essa lógica é questão de poder político, não só de “economia correta”.

  • A luta é para saber o que fazer com o BC quando o povo tiver o poder.


💡 Resumo da síntese:
O BC é peça-chave para manter a economia brasileira funcionando a favor do capital financeiro.
Ele garante lucros aos rentistas, limita políticas sociais e usa discursos “técnicos” para blindar interesses de classe.