Dolarização: Um remédio amargo?
O governo Milei implementou, logo nos primeiros meses, um plano ambicioso para dolarizar a economia, extinguindo o peso argentino como moeda nacional. Essa transição, apresentada como a solução para a hiperinflação (que ultrapassava 140% ao final do governo anterior), tem causado uma volatilidade acentuada e gerado incertezas, especialmente para as camadas mais pobres da população.
Embora a adoção do dólar tenha eliminado o uso do peso no comércio formal e reduzido drasticamente a inflação, muitos economistas alertam para o custo social dessa política. A perda de instrumentos de política monetária fez o país depender ainda mais de fluxos de dólares provenientes de exportações e investimentos externos. Além disso, a dolarização não trouxe uma resposta imediata à dívida pública crescente nem à crise fiscal, forçando o governo a cortes profundos em gastos públicos, incluindo saúde e educação, o que gerou protestos em várias partes do país.
Casa de câmbio: Um fenômeno em transformação
Se em anos anteriores as filas nas casas de câmbio eram indicativo de crises cambiais, hoje o cenário é diferente. Com o dólar sendo utilizado como moeda oficial, a função das casas de câmbio transformou-se. Essas operações agora concentram-se em remessas de dinheiro, turismo e câmbio de moedas regionais como o real e o peso chileno.
No entanto, a dolarização não eliminou a informalidade. Um mercado paralelo ainda persiste, sobretudo nas províncias mais afastadas, onde a falta de infraestrutura e o alto custo de vida em dólares agravam as desigualdades regionais. Além disso, a relação dos argentinos com o dólar continua marcada por desconfiança, especialmente após rumores de escassez de reservas nos bancos centrais para sustentar a política econômica de Milei.
Investidores e a polarização política
No âmbito internacional, o governo Milei inicialmente atraiu atenção positiva por seu perfil liberal e pró-mercado. No entanto, o entusiasmo diminuiu à medida que o presidente enfrentava dificuldades para implementar reformas estruturais e alcançar consenso em um cenário político altamente polarizado. O Congresso, onde Milei não possui maioria, tornou-se palco de embates acirrados, travando projetos-chave como a privatização de empresas estatais.
O perfil excêntrico do presidente, conhecido por sua retórica agressiva e aversão a "castas políticas", alimentou tanto apoios fervorosos quanto uma oposição implacável. A população argentina, marcada por um histórico de profundas divisões ideológicas, vê no governo Milei tanto a chance de romper com velhas práticas quanto o risco de aprofundar crises sociais.
Reflexos sociais e culturais
Em dezembro de 2024, a sociedade argentina encontra-se dividida entre os que veem na dolarização uma chance de estabilidade e os que criticam a perda de soberania econômica. Nas redes sociais, memes e páginas continuam satirizando a política nacional, mas o tom mudou: Javier Milei, apelidado de "El León" por seus apoiadores, tornou-se o novo alvo de chacotas e críticas em páginas como Que Nos Saquen al León.
Ao mesmo tempo, cresce o saudosismo de alguns setores em relação a políticas redistributivas dos governos peronistas, mesmo com seus problemas de corrupção e ineficiência. Essa nostalgia é especialmente evidente nas províncias mais pobres, onde a transição para o dólar agravou o custo de vida e limitou o acesso a bens básicos.
Conclusão: Um país em transição permanente
A Argentina de dezembro de 2024 permanece em um estado de transição. Sob o governo Milei, o país tenta reescrever sua história econômica ao abandonar o peso e adotar o dólar, mas os custos sociais e as incertezas políticas mantêm o futuro em aberto. Para muitos argentinos, a promessa de estabilidade ainda parece distante, e o dilema entre progresso e desigualdade segue sendo uma marca do país.
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