"O Grito" (1893), de Edvard Munch |
O mercado de trabalho no Brasil é um espelho das contradições de uma economia que oscila entre promessas de progresso e desigualdades estruturais profundas. A frase "chamar chamam, mas sem ter máfia nunca te contratam" reflete a frustração de muitos candidatos que, apesar de investirem em formação e enviarem currículos incessantemente, enfrentam barreiras invisíveis no processo seletivo. Para compreender esse cenário, recorremos às ideias de Adam Smith e Theodor Adorno, que, embora de escolas distintas, oferecem insights valiosos sobre essa dinâmica.
Adam Smith, em A Riqueza das Nações, descreveu o mercado como regido por uma "mão invisível" que aloca recursos de forma eficiente quando indivíduos perseguem seus próprios interesses. No entanto, o mercado laboral brasileiro parece subverter essa lógica. O investimento em educação e qualificação por parte dos trabalhadores deveria, teoricamente, resultar em melhores oportunidades. Contudo, a realidade evidencia uma desconexão: muitas empresas optam por redes de indicação, onde o mérito dá lugar ao apadrinhamento.
Isso cria um mercado de trabalho que não recompensa esforços individuais nem maximiza o potencial produtivo da força laboral. Em vez de uma competição saudável, há uma perpetuação de privilégios e exclusões, o que contradiz o ideal de Smith de um mercado guiado pela eficiência e pela meritocracia.
Theodor Adorno, em suas críticas à indústria cultural e ao capitalismo avançado, argumentava que a racionalidade instrumental submete os indivíduos a processos desumanizantes. Esse pensamento pode ser aplicado ao setor de Recursos Humanos no Brasil, onde os processos seletivos frequentemente tratam os candidatos como números ou dados em sistemas automatizados, negligenciando a dimensão humana de suas histórias e competências.
A ausência de feedback após entrevistas é um exemplo emblemático dessa alienação. O silêncio das empresas transmite uma mensagem implícita: os candidatos não são dignos de uma resposta. Esse desprezo pelo tempo e esforço do trabalhador é uma forma de violência simbólica, que reforça a desigualdade e o desencanto com o sistema.
Além disso, a "tecnificação" dos processos seletivos, com uso de algoritmos e plataformas automatizadas, cria um filtro que muitas vezes não reconhece talentos fora dos moldes padronizados. Assim, o potencial humano é reduzido a palavras-chave e critérios frios, enquanto a subjetividade, a criatividade e a resiliência dos candidatos são ignoradas.
O setor de Recursos Humanos, em teoria, deveria atuar como ponte entre as necessidades das empresas e o potencial humano disponível. Porém, na prática, ele frequentemente opera como uma barreira. A preferência por indicações internas, a exclusão sistemática de candidatos com trajetórias não convencionais e a falta de transparência nos processos seletivos são sinais de um sistema falho.
Essa prática reflete uma lógica de exclusão que não apenas perpetua desigualdades sociais, mas também limita a capacidade das empresas de inovar. Como Smith observou, o verdadeiro progresso econômico depende da capacidade de aproveitar o talento disponível na sociedade.
A solução para essa crise de expectativas e oportunidades passa por uma reformulação dos valores e práticas no mercado laboral. A valorização do mérito e da transparência deve ser prioridade, assim como a humanização dos processos seletivos.
Em vez de perpetuar a alienação descrita por Adorno, o setor de Recursos Humanos deveria investir em práticas mais inclusivas e em políticas que reconheçam o valor intrínseco de cada candidato. Da mesma forma, é essencial que o Estado e a sociedade incentivem mecanismos para reduzir o poder das redes de apadrinhamento e reforcem a importância de critérios objetivos e claros.
Por fim, a reflexão de Adam Smith sobre os princípios de mercado e a crítica de Adorno à desumanização são ferramentas essenciais para entender e transformar a realidade do trabalho no Brasil. Somente assim poderemos romper com a lógica da "máfia" e construir um mercado que valorize verdadeiramente o potencial humano.
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