O jovem – chamemo-lo de Mário, pois todo desgraçado merece ao menos um nome – acordou antes do sol. E antes do sol acordaram suas olheiras, já íntimas do travesseiro barato, compradas em dez vezes sem juros. O despertador, este carrasco eletrônico, guinchou impiedosamente. Mário tateou o escuro do quarto minúsculo, cujo aluguel sugava metade de seu salário, e levantou-se sem heroísmo algum.
Vestiu-se com a dignidade de quem não pode se dar ao luxo de desleixos. O uniforme de repartidor, já meio encardido, apertava-lhe a alma. No espelho trincado, viu-se jovem e cansado. Fez as contas mentalmente: o salário bruto era uma piada de mau gosto; o líquido, um crime. Cada garfada no refeitório era um assalto autorizado pela contabilidade, e o vale-transporte era um bilhete de ida para a resignação.
No ônibus lotado, embalado pelo sacolejo, Mário refletia. Em cada rosto suado, via a mesma expressão: um misto de revolta e aceitação. Sentiu um calor de fornalha, um abafamento de câmara de gás tropical. No rádio do cobrador, um político falava em crescimento econômico. Mário sorriu – um sorriso amargo, digno de um palhaço falido e desfaleceu-se.
Chegar-se-ia ao supermercado, a primeira ordem do dia: "Rápido, rapaz, os clientes não podem esperar!" Ah, os clientes... Criaturas sagradas do capitalismo, superiores até aos reis de outrora. Mário, o repartidor, servia-lhes como um camareiro servia Luís XIV – mas sem perucas ou pompas, apenas com uma sacola de compras e um olhar resignado.
Ao final do expediente, suado e quebrado como um brinquedo velho, Mário pegou novamente o ônibus. O país pegava fogo, mas no fundo tudo estava em perfeita ordem. Sonhou, por um instante, com um mundo justo. Mas o sacolejo do coletivo o fez esmorecer.
Desmaiou, de cansado. Acordará muito depois de sua parada. Ligou ao seu chefe, avisou: Me atrasarei. O quanto? Impossível prever...
Sim. Nosso herói perdeu a batalha. Com mais de hora de atraso chegou e foi demitido por "justa causa".
Não por sois mais, ou menos, apenas por pensar que isso ou aquilo... O seu bando ideologico aqui pouco importa. Se você não teve empatia por Mário, realmente, nada mais que um dia eu venha a dizer importa
3 comentários:
Que Mário?
Cadê o final
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