Há muito tempo que ando sem escrever sobre coisas que ocorrem a todos, embora muitos de nós não percebamos o quão estamos imbuídos destas, ou desta. Passei horas a pensar, comer, pensar e comer, pensar e comer… E o assunto da coluna de hoje não brotava. Devido a tanto comer e pensar, assomados ao calor fui obrigado a ir cagar. Vejamos… Sempre mandamos os outros irem cagar, mas nunca mandamos a nós mesmos. Em meio a televisão. Aplicativos de chat, de sexo, facebook, grupos de whastsapp do trabalho, dos amigos, dos ex-amigos, jogos on-line, celular, parentes à casa a incomodar e interromperem minha linha de raciocínio… Ufa. Qual o tempo que temos para reflexões profundas e intelectualizadas. Como assentar nossos conflitos e reflexões em um ato elaborado de reflexão sério?
CA-GAN-DO. Neste mundo desrespeitoso para com o indivíduo, dentro da perspectiva do neocapitalismo, não temos mais direito a sermos(indivíduos). Mas hoje a única hora, ou momento, de paz que possuímos é… cagando.
No Brasil, os direitos individuais foram regulados pela primeira vez na Constituição de 1824. O art. 179, em 35 incisos, estabeleceu um conjunto de direitos individuais. O art. 72 da Constituição de 1891, primeira Constituição do Brasil republicano, assegurou aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança e à propriedade.
De veras, não tenho me sentido tão livre assim ultimamente. Se estás a um ônibus, estás sobre os olhos vigilantes da sociedade, essa que por construção histórica é bisbilhoteira e se preocupa mais com o alheio que com o próprio orifício. Dezesseis edições de Big Brother, oito de A Fazenda, e sete ou oito de A Casa dos Artistas que o digam. Nas primeiras não se mostravam tanto os banheiros como nas atuais. Claro sinal de que os sensos de individualidade estão em gradual e acelerada descaracterização.
Voltando a cagalhança… Não a da sociedade hominídea, mas a da privada, e em âmbito privado… Enfim. De tudo que há na terra não há nada em lugar nenhum, hoje em dia mais trasconfigurizado e tranquilizador; e particular que dar uma bela defecada.
Sou contra o capitalismo selvagem, mas graças aos fast-foods e shoppings temos aonde cagar gratuitamente nos dias atuais. Estão eles assim segundo meu ver a dar sua contrapartida social. Realmente, há males que vem para o bem!
Citando o grande José Wilker, em momento sublime de atuação, em que lhe falam por longo tempo coisas de completo desinteresse de sua personagem: “Está tudo muito bom, mas… Agora vocês me deem licença que eu vou dar uma cagada!”
Nossas cidades hoje tem um complô contra a liberdade do cidadão. Onde cagar atualmente é um problema, mesmo em períodos de baixa temporada em cidades turísticas. Ou é ainda pior. Menos locais abertos, e com horários de funcionamento mais restitos. Eis que me ocorre uma grande frase para a posteridade. Cagar, ou não cagar? Eis a questão! Onde cagar, como cagar, porque cagar?
Lembro da saudosa casa de minha madrinha de batismo, do quão não me deixaram fugir. Lá se cagava com classe. Havia uma grande estante, com excelentes papéis higiênicos, revistas em quadrinhos, livros de piadas para adultos, revistas políticas, jornais, livros de suspense e de detetive… Ai como era lindo cagar! Nunca ninguém batia apressado a porta, haviam um outro banheiro menor, e se era uma fisiológica emergência havia um plano B. Aí comecei a gostar de literatura.
Nosso anseio exagerado em nos tornarmos civilizados, eruditos, etc, nos retirou um direito simples e básico, natural e inerente ao ser humano. O direito de cagar. Tanto o é assim, que mesmo que biologicamente estivesse a ponto de, não me permitia, pois estava a horas refém da tecnologia, da sociedade, do politicamente correto, da loucura do dia a dia, dos afazeres, do trabalho em casa, do… Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!
Estava já como literalmente enfastiado, claustrofóbico mesmo estando com a janela aberta. E quando uma crise existencial, de stress, de ansiedade, dentre outras já pensava em chamar o SAMU, um táxi, o 190… Caguei! Sem celular, com a televisão desligada. Caguei!
Minha dica de hoje, é: cague, cague muito, cague hoje, cague agora, cague sempre… Mesmo sem vontade. Cague!!!
Nando Schweitzer é um cagador profissional, que tem praticado pouco este ato de liberdade devido ao excesso de afazeres para pagar as contas e a falta de banheiros públicos na cidade.
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