Em um mundo virtual, trivial e repleta pelo imperativo “vida moderna” como pretexto para qualquer besteira que se diga em prol de avanços, muitos desse que parecem retrocesso . Mesmo com intranet, infranet, internet, NET hoje ainda é possível que176 páginas possam causar polêmica? O sábio, provocador, inquieto, sagaz, crítico, comunista, escritor e polemista José Saramago consegue. Sua compatriota conhecida talvez mais cá que lá, a dramaturga, escritora e jornalista Maria Adelaide Amaral, 67, diz não ter o menor interesse de ler "Caim", novo livro de seu de Saramago, que entrou nesta semana na lista dos mais vendidos no Brasil.
Compatriotas, pero no muy amigos
Estamos em plenos anos 2009, beliscando 2010 e a qualquer barbárie que escutamos o jargão mais velho que minha avó nos caí a boca ou ao ouvido. “Isso é coisa de gente atrasada”, pois bem. Neste caso vejo que a um teor mais sintomático que racional na declaração da luso-brasileira, sendo que muito me apedrejariam por disser que uma escritora renomada e etc, possa ser dita como antiguada. Amaral diz em evento da Folha de S. Paulo e para a mesma que, teve teve sua religiosidade aumentada a pouco tempo e tentou explicar seu desinteresse pelo novo trabalho do escritor ateu. Em 2003, a autora de sucessos no teatro e na TV superou um câncer e se apegou cada vez mais ao catolicismo. Mas francamente nada contra a religião, mais em um evento oficial como escritora, ícone, opiniões particulares e rancouras creio não caber. Quanto mais em uma religião baseada no medo, morte e mentira. Parece-me vir apenas a título de minorar a obra, que já por si só é um exito.
Deus ou deus?
"Caim", novo livro do escritor português José Saramago, terá lançamento durante a Feira de Frankfurt, que começou a polemizar já de seu lançamento em 14 de Outubro. Saramago, como sempre, Saramago. Um ponta pé no embole e frisón que estaria por gerar deu-se na frase: "A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus"- proferido sem pudores pelo autor. O Nobel de Literatura de 1998 ao usar até mesmo de palavrões para contar a história do primogênito de Adão e Eva, choca aos puritanos ou demagogos. Todavia os conhecedores da obra do português compreendem a ótica e coerência desta obra, onde o responsável pela morte do irmão Abel é protagônico.
Quando Deus é chamado de "filho da puta", a reação dos setores mais reacionários é de contra-atacar e chamar-lo de herege. Não ponhamos instituições como culpadas o não de algo, sim as pessoas que compram algo de certas instituições, sejam em que sentido for são culpados criminais em maior grau de responsabilidade que as próprias. Independente da força de ímpeto das palavras em este caso usadas pelo escritor, a óbvia provocação tem duas vias de fato em posicionamento ideológico. Uma que escandaliza-se e outra que aplaude.
Partidarismo santo
Os primeiros o fazem por estarem dentro de crenças cristianas, passam a usar em algumas vezes algumas das más palavras que Saramago atira a “Deus”, entre aspas já que não crê em sua existência. Os que aplaudem são os que gozam do poder de status quo, pois como ateus simples não podem com tanta “propriedade” fazer o mesmo que o lusitano. Neste caso o romancista português, conhecido por posições de esquerda e seu gosto pela provocação, entre outras disse que a Bíblia é um "manual de maus costumes". Seja que, o rebu está feito e instaurado.
A obra herege
Nesta parte da trama o autor através da ótica, ou retina de um Caim contestador profere e indaga a Deus: “Esse senhor "rancoroso" admite a culpa pelo crime contra Abel, não hesita em estimular guerras, matar crianças inocentes, punir os bons e fazer com que as pessoas acreditem em situações improváveis. Como é possível um homem embriagado engravidar uma mulher? Como todos os animais do planeta poderiam ter sido representados na Arca de Noé? São algumas das perguntas que Caim se faz ao observar a trama bíblica. Ainda afirma que, por meio dele, expõe a "infinita dimensão da estupidez humana", capaz de acreditar em fábulas como essas. "Curiosamente, não se repara que Deus não fez nada durante a eternidade que precedeu a (suposta) criação do universo. Depois, não se sabe por que nem para que, resolveu fazer um universo. E desde então está outra vez sem fazer nada", conclui.
Provocante Nobel
José Polêmica Saramago, é o contestador nato e aos mais de 80 anos ainda um rebelde. Em um colóquio com o filósofo italiano Paolo Flores D'Arcais, o escritor português chamou o papa Bento 16 de "cínico" e disse que a "insolência reacionária" da Igreja Católica precisa ser combatida com a "insolência da inteligência viva". "Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" desta pessoa, disse o Nobel de
Literatura. Publicitário, além de escritor?
Uns vão dizer que o livro é uma obra marqueteira, outros que veio tarde e que coisas que se falam no tal já deveriam ser palavra de regra. O que ocorre é que as pessoas deveriam despir-se do seu pré conceito e encarar como uma ficção. Isso no ponto de vista arte, pois arte não é sacra nem profana, o é. A velha história que sempre questiono. O importante é o que se diz ou quem diz algo? Arte pela arte, palavra pela palavra, verdade pela verdade, coerência e ética e nada mais. Valores cada um tem os seus, mais o importante é usar-los com critérios. Com critérios tudo, sem critérios nada.
Estou por ler a obra, só não o fiz porque por aqui onde vivo a literatura em língua portuguesa não chega. Quero poder falar um pouco mais sobre, mas ao contrário de muitos, prefiro falar bem ou mal do que conheço. Outro dia buscava um simples Nelson Rodrigues e não achei. Coisa que mesmo num Brasil onde o nacional não tem muito valor, se encontra até em livraria de bairro. Creio que se não encontro por aqui, pedirei a um amigo ou amiga que me envie por correio. Quero descobrir dentre outras coisas se somos ou não filhos de Adão. Claro que segundo a lente de José Saramago.
Fernando Schweitzer, Buenos Aires/ARG - Ator Não-Global, Diretor Teatral, Cantor, Escritor e Jornalista
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